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Não é hora de oferecer microfones ao ex-presidente. Ele precisa falar com a justiça

Tudo o que ele mais precisa para criar sua mais nova ladainha facínora são microfones, mesmo sem a presença de seus seguranças, que atualmente se encontram presos

Carolina Botelho, para Headline Ideias
#POLÍTICA3 de mai. de 235 min de leitura
O presidente Jair Bolsonaro participa da cerimônia oficial de chegada do presidente da República do Paraguai, Mario Abdo Benitez, no Palácio do Planalto, em 12 de março de 2019. Hoje a PF prendeu um de seus assessores, o coronel Mauro Cid (D). Fotos: Daniel Marenco/HDLN
Carolina Botelho, para Headline Ideias3 de mai. de 235 min de leitura

Bolsonaro e seus aliados foram pegos de calça curta na recente operação da Polícia Federal, que age contra supostas falsificações nos cartões de vacinação da turma. Consta que até a filha do ex-presidente, uma menina de somente 12 anos, tenha tido sua carteira de vacinação fraudada. Segundo o próprio presidente, a filha não recebeu a vacina contra a Covid-19, o que contradiz as anotações de sua própria documentação. Toda essa lambança teria sido feita para que pudessem ingressar nos Estados Unidos.

O pessoal de Bolsonaro esperava ser acionado por outros motivos, mas a imprensa dá conta de que essa investida da PF, após aprovação do ministro do STF Alexandre de Moraes, balançou a todos, tanto é que Bolsonaro não teria conseguido contato com seu próprio advogado. As notícias informam, neste momento, que uma reunião de emergência entre os aliados está sendo convocada em Brasília para criar uma estratégia que ajude a lidar com esse fato não programado. Mas mesmo com essa “barata voa” na cúpula do bolsonarismo, todos os filhos (os homens adultos) seguem em silêncio.

Bolsonaro, durante seu mandato, brincou com a vida da população brasileira que atravessava uma pandemia gravíssima. Negou vacinas, desqualificou os cientistas, desacreditou os imunizantes, brincou com quem estava morrendo sufocado sem oxigênio, simulando, às gargalhadas, pessoas arfando pela falta de ar.

Naquele momento, já sabíamos das mortes trágicas de brasileiros em Manaus que não receberam oxigênio porque o governo Bolsonaro não tinha enviado. Quem consegue rir de quem morre sufocado? Pelo jeito, o mesmo que nega a vacina de uma filha, ainda criança, contra uma moléstia grave, mas que recorre à adulteração de seu documento (da criança) para viajar e largar o país, pelo qual ainda era responsável, antes de perder nas urnas.

Mortos de Covid não foram fatalidade

É tudo tão inacreditável nessa história que fica difícil raciocinar. Mas se a gente pega mais fôlego, lembra que os mais de 650 mil mortos de Covid-19 no Brasil não foram uma fatalidade.

A operação da Polícia Federal recoloca questões essenciais, das quais não podemos esquecer. A máquina de fake news a serviço do ex-presidente é poderosa, capaz de transformar qualquer notícia grave em poeira do passado. A ação da PF nos cutuca e mostra que não podemos esquecer o que vivemos nesses últimos quatro anos. Bolsonaro foi um presidente delinquente, que, enquanto via morrer 4000 brasileiros por dia (esta meta macabra foi alcançada em abril de 2021), ria, divertia-se e tinha o apoio de seus ministros e assessores. Que também não podem ser esquecidos.

A ação de hoje aponta para o fato de que Bolsonaro está começando a sofrer alguma punição. Claro que ainda falta muito a fazer. Além de tudo, ninguém sabe até onde a responsabilização vai em razão dos inúmeros comprometimentos que existem entre envolvidos, omissos e comprometidos com o antigo governo. Os militares, por exemplo, aliados desde o início até o momento, não sofreram quase nada, mesmo aderindo às incontáveis tragédias produzidas pelo governo passado. Ao contrário, até aqui, só ganharam: obtiveram ganhos durante a reforma da previdência, cargos, aumento nos soldos, aumento nos recursos de seus ministérios. Os benefícios vieram de toda ordem. Foi assim que vimos no último governo.

O então presidente Jair Bolsonaro participa da cerimônia de apresentação de cartas credenciais, no Palácio do Planalto, em 8 de março de 2019. Hoje a PF prendeu um de seus assessores, o coronel Mauro Cid (D). Foto: Daniel Marenco/HDLN
O então presidente Jair Bolsonaro participa da cerimônia de apresentação de cartas credenciais, no Palácio do Planalto, em 8 de março de 2019. Hoje a PF prendeu um de seus assessores, o coronel Mauro Cid (D). Foto: Daniel Marenco/HDLN

Ainda assim, a ação da PF de hoje é um começo importante. Cabe agora à sociedade, à opinião pública e às instituições da república ficarem atentas às mentiras que já começam a ser contadas para desviar o foco da investigação e tirar a responsabilidade das costas de Bolsonaro, como sempre ocorreu, desde o início da sua carreira política, ainda no Exército.

Não é hora de oferecer os microfones ao ex-presidente. Ele precisa falar agora com a justiça. Aliás, tudo o que ele mais precisa para criar sua mais nova ladainha facínora são microfones, mesmo que sem a presença de seus seguranças, que atualmente se encontram presos. Nesse momento em que as redes andam sendo um pouco mais sufocadas, qualquer palco oferecido será usado com sucesso para a farsa a ser contada e espalhada pelos seus apoiadores. E em poucas horas ele já está fazendo, como a tentativa de emplacar a tese, segundo a qual, não sabia de nada sobre a adulteração de seu cartão de vacinação.

O governo Lula, por sua vez, tem também responsabilidades. O mesmo chegou com duas prioridades: fortalecer a democracia, oferecendo maior vigor às instituições democráticas, e retomar políticas públicas que foram largadas à sorte pelo antigo governo, priorizando, especialmente, setores mais vulneráveis da sociedade.

Ambas as agendas já estão sendo cumpridas como manda a regra, de forma republicana e respeitando a lei. É ótimo e já estávamos com saudade. No entanto, falta acertar a conversa com a gente que votou contra seu governo nas urnas. Lula e seu time precisam conversar e ser diplomáticos com setores divergentes da sociedade. Precisam exigir que a regra e a lei sejam aplicadas e respeitadas, dar autonomia às instituições de controle para que exerçam seus papeis, mas não podem transformar a comunicação de seu governo em um gabinete do ódio às avessas, portando-se como em uma torcida.

Não basta apenas repetir o lema união e reconstrução (que em si já pressupõe a ameaça da desunião), mas ajudar a fazer valer o estado de direito. A presidência da república cumpre uma função oficial, mas também simbólica. Qualquer palavra ou gesto impacta, influencia, afeta a vida das pessoas. Como Lula bem sabe.

* Carolina Botelho é doutora em ciência política pelo IESP-UERJ e mestre em sociologia e antropologia pela UFRJ . Pesquisadora do IEA-USP, já atuou em outros centros como pesquisadora e professora e em órgãos de gestão pública.

 

 

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