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Imagina se não tivéssemos pessoas com a coragem de Lula

O Brasil que o ex-presidente Bolsonaro largou para trás, antes de se abrigar na casa de um fanático apoiador em Orlando, é um país com sérios problemas

Carolina Botelho, para Headline Ideias
#LULA31 de jan. de 235 min de leitura
Ao lado da esposa, a primeira-dama Rosângela Silva, Lula se emociona durante seu discurso de posse no parlatório do Palácio do Planalto, em Brasília. Foto: Evaristo Sá/AFP
Carolina Botelho, para Headline Ideias 1 de jan. de 235 min de leitura

A atmosfera é de normalidade e mais amena na tarde deste 1º de janeiro de 2023. Aguardada pela maioria da população brasileira, a posse foi organizada e programada com clima de festa popular, de massa, com a alegria dos blocos carnavalescos. Apoiadores do presidente Lula foram para Brasília para participar da cerimônia de carro, de ônibus, de avião e até a pé. Jornalistas, mais leves, espalham-se pelos cantos da capital para reportar aos brasileiros os últimos acontecimentos.

As imagens contrastam com aquelas de janeiro de 2019, quando um clima sombrio permeava o confinamento da sala de imprensa oferecida pelo poder recém-eleito da época. Para quem não se lembra, não havia água, cadeiras, cuidado nem respeito.

No Congresso, a relação parece se restabelecer em melhor clima também. Com a retirada de parte importante do poder discricionário que o orçamento secreto lhe dava, o presidente da Câmara, Arthur Lira, perdeu um recurso de poder fundamental, o mesmo que conservou sua barganha espúria com o ex-presidente Bolsonaro para que este não sofresse impeachment.

No outro lado dessa moeda, o governo de transição começou a trabalhar e a mostrar a que veio assim que se abriu a última urna das eleições presidenciais. De maneira inédita, um governo de transição, sequer empossado, foi capaz de aprovar uma emenda constitucional. Quem já havia visto isso?

Bom lembrar que uma emenda constitucional requer maioria qualificada e votação em dois turnos na Câmara e mais dois no Senado. Essa movimentação significou mais um passo para o fortalecimento de uma institucionalidade perdida nos últimos anos, criando-se espaço para que as bases da política do presidencialismo de coalizão sejam retomadas e abrindo novamente em Brasília o caminho para se reconstruir as relações, digamos, mais tradicionais entre Legislativo e Executivo. O ponto é que já se reconhecia nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) — onde a equipe de transição trabalhou — um governo se formando.

Lula retorna ao seu terceiro mandato, eleito, de novo, pelo voto popular, com desafios enormes e inéditos.

O Brasil que o ex-presidente Bolsonaro largou para trás, antes de se abrigar na casa de um fanático apoiador em Orlando, é um país com sérios problemas de caixa, profundas e ainda pouco conhecidas questões fiscais, com mais pessoas pobres e miseráveis, com crianças e jovens menos imunizadas, com a educação mais precarizada do que nas últimas décadas e com piores expectativas sobre o futuro.

O maior desafio: reerguer a democracia

Além desses gravíssimos problemas, o Brasil também é um país corroído em suas instituições democráticas que pôde acomodar entre elas uma extrema direita fanática, violenta, reacionária e com organização suficiente para manter parte da população ameaçando o estado de direito mesmo passadas as eleições.

Portanto, o maior desafio desse novo governo não é recompor as políticas públicas desconstruídas pelo governo Bolsonaro/Mourão, mas reerguer os pilares de nossa democracia, de nosso estado de direito, e para isso, olhar para essas pessoas com muita atenção é fundamental.

Ninguém duvida da capacidade do presidente Lula para recompor pilares destruídos. Parece ter sido essa sua missão de vida pessoal e pública. Lula tem trajetória de vida de se fortalecer nas adversidades, de superar como ninguém seus sofrimentos e até escondê-los para continuar a caminhar. Poucas pessoas são assim e isso é muito bonito e emocionante de se ver.

Mas pensem bem, imaginem se não tivéssemos pessoas com a coragem de Lula. Imaginem também que não tivéssemos Geraldo Alckmin, capaz de se despir de um histórico como adversário político e se vestir de parceiro ideal nessa reconstrução. Imaginem se não houvesse também um Alexandre de Moraes agindo em horas certas e no lugar certo para vigiar e punir a extrema direita.

Lula discursa na sua cerimônia de posse no Congresso Nacional. Foto: Mauro Pimentel/AFP
Lula discursa na sua cerimônia de posse no Congresso Nacional. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Dificilmente Lula terá energia física para uma nova campanha em 2026. Pessoalmente, eu torço para que tenha, mas ele será um senhor com mais de 80 anos com todo direito de vida e de missão cumprida para usar seu tempo livre apenas com ele, sua família e amigos. De modo que precisaremos recompor o campo político sem ele e sem uma geração de políticos, entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lutaram para restabelecer a democracia em 1985 e que continuaram por aqui vigilantes até hoje, uns mais, outro menos. O fato é que essa missão não será mais deles, mas nossa.

Hoje é um dia emocionante, mas temos muito trabalho a fazer. Que a gente possa aproveitar este dia como uma festa para cantar, emocionar-se, dançar, rir, chorar. Mas amanhã, segunda-feira, precisamos trabalhar para continuar celebrando a democracia e punir todos que tentaram sabotá-la. Uma das formas de se fazer isso é resgatar a confiança nas instituições, nos atores políticos, na Constituição de 1988. Antes de chegar 2026.

*Carolina Botelho é doutora em ciência política pelo IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e mestre em sociologia e antropologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Pesquisadora do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo), já atuou em outros centros como pesquisadora e professora e em órgãos de gestão pública.

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