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#POLÍTICA

É preciso compreender o que querem essas pessoas

Embora Bolsonaro tenha sido punido pelas urnas, amargando a derrota eleitoral, o ex-presidente continua uma liderança forte para parte da população. Não importa a quantidade de crimes em que esteja envolvido

Carolina Botelho, para Headline Ideias
#POLÍTICA9 de ago. de 235 min de leitura
Em favor do governo do presidente Jair Bolsonaro atos foram registrados em ao menos 12 estados e o Distrito Federal em 26 de maio de 2019. Os manifestantes defendiam projetos da gestão do presidente, como a Reforma da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção, apresentado pelo então ministro da Justica, Sérgio Moro. Foto: Daniel Marenco/HDLN
Carolina Botelho, para Headline Ideias9 de ago. de 235 min de leitura

Em poucos dias soubemos que Carla Zambelli cumpriu certinho o roteiro de um filme B policial e levou o tal Hacker de Araraquara para dentro do Palácio do Planalto. A ideia era incorporá-lo ao grupo aliado e estratégico de Jair Bolsonaro que trabalharia a favor das várias (repito, várias) tentativas de dar um golpe de Estado, tendo seu ápice no dia 8 de janeiro deste ano. Também soubemos nesse período que a ex-super aliada de Bolsonaro, a mesma Zambelli, foi mais uma vez jogada aos leões, e que se encontra sozinha na luta contra a perda quase certa de seu cargo na Câmara, repetindo-se o padrão de Bolsonaro com aliados que não servem mais ao seu propósito. Os exemplos mais antigos de que me recordo foram as humilhações públicas a Gustavo Bebianno e General Santos Cruz.

Também tivemos conhecimento, a partir das denúncias da deputada federal Jandira Feghali, do PCdoB, durante oitiva da CPMI de 8 de janeiro, que Jair Bolsonaro e a mulher, Michele, ambos do PL, receberam clandestinamente joias valiosas em um comício eleitoral em Teófilo Otoni (MG), a quatro dias do segundo turno das eleições. Vimos, além desses eventos, repercutir e-mails da presidência escritos pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid, tentando vender relógios Rolex que são de patrimônio público em um mercado de compras de bens de luxo. Por fim, nesta ainda não finda semana, a novidade é que o ex-diretor da PRF, Silvinei Vasques, foi preso em investigação sobre interferência nas eleições de 2022 ao liderar ações da PRF direcionando recursos humanos e materiais com o intuito de dificultar o trânsito de eleitores no segundo turno.

Em todas essas circunstâncias havia em comum uma estrutura bem organizada de apoio à família Bolsonaro utilizando para isso recursos públicos. Agentes do Estado brasileiro se empenharam ativamente para assegurar a Bolsonaro recursos públicos e condições de se manter no poder a despeito da vontade dos eleitores. Pouco a pouco, as evidências se acumulam e as instituições reúnem as provas para agir naquilo que deveria ter feito há tempos, responsabilizar cada um pelos crimes contra a sociedade brasileira.

Mesmo que ainda tenha muita coisa a se fazer sobre essas questões e que quase todos já tenhamos superado a fase de dúvidas sobre o empenho dos bolsonaristas no golpe de Estado, o fato é que uma parte enorme da população não está nem aí para todos esses crimes. E isso é grave.

Em recente pesquisa de opinião do instituto Genial/QUAEST, realizada entre 15 e 18 de junho deste ano, os resultados mostram que a população está dividida sobre a condenação de Bolsonaro no TSE, tornando o ex-presidente inelegível por oito anos. Segundo a pesquisa, 47% dos entrevistados são favoráveis à condenação, entretanto, 43% são contrários, isto é, acham que Bolsonaro não deveria ter sido condenado.

Importante lembrar que esta ação do TSE decidiu que Bolsonaro abusou de poder político e usou indevidamente os meios de comunicação, acatando ação apresentada pelo PDT em agosto de 2022 contra reunião do ex-chefe do Executivo com embaixadores no Palácio da Alvorada. Naquela ocasião, Bolsonaro reuniu vários embaixadores de diferentes países para criticar e deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro, as urnas eletrônicas e a atuação do STF e do TSE. Mas grave que isso, só isso se juntando a todos os demais crimes cometidos para sustentar a tentativa de golpe de Estado.

Mas para parte da população não há problema algum. A pesquisa também mostra outros resultados preocupantes, segundo os quais, 64% dos eleitores que votaram em Bolsonaro em 2022 dizem ter mais chances de votar em um candidato que receba seu apoio.

É claro que essa transferência de votos não se dá automaticamente. Há muitas variáveis a serem consideradas numa equação como essa, incluindo aí o contexto em que se dão esses resultados, as lideranças políticas que teremos na época das eleições, a conjuntura política e econômica do momento, mas as pesquisas de opinião são monitoramentos importantes e indicam, no instante em que são feitas, a percepção e as preferências das pessoas.

Sendo assim, os números da Quaest preocupam. Embora Bolsonaro tenha sido punido pelas urnas, amargando a derrota eleitoral pela qual todas essas investigações avançaram, o fato é que hoje o ex-presidente continua uma liderança forte para parte da população. Não importa a quantidade de crimes em que esteja envolvido, não interessam as evidências sobre sua participação neles, se foi por ação ou omissão, não influi nada se seu nome, dos filhos, da mulher e de seus apoiadores estejam na mira de investigações em curso, com indícios fortíssimos de participação, nem que tais investigações sejam finalizadas em um futuro bem próximo.

As eleições de 2022 impuseram a derrota a Bolsonaro, mas seu apoio total ou estratégico continua presente. O resultado da pesquisa sobre um evento cuja gravidade deveria ser inquestionável demonstra que a população está dividida e que Bolsonaro conserva grande apoio. Esse apoio tende a esvair à medida que o ex-presidente sofra cada vez mais derrotas na justiça e que sua rede de apoiadores seja responsabilizada e desestruturada pouco a pouco, mas a preocupação com a população que ainda defende comportamentos e ações criminosas dessa turma não deveria ser negligenciada. É bom entender que o eleitor pode escolher estrategicamente votar em um candidato afeito a esses comportamentos caso a economia, por exemplo, não siga bem. O terreno hoje ainda é preocupante e deveria ser constantemente monitorado. Passou da hora de entender essas pessoas.

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